09
Mar17
As Raparigas
Miúda Opinativa
Acabei de ler, ontem à noite, As Raparigas, de Emma Cline. O livro é, na verdade, uma história de ficção baseada no caso Charles Manson e nas jovens que o ajudaram a cometer o famoso massacre em 1969 que vitimou, entre outros, Sharon Tate, grávida, atriz e mulher de Roman Polanski.
Muito sinceramente, fiquei com sentimentos ambivalentes em relação ao livro e pensei que talvez fosse prematuro escrever já a minha posta de pescada. Talvez tivesse sido melhor deixar assentar poeira, refletir mais sobre o assunto, chegar a alguma conclusão; contudo, pensei que se calhar aquilo que me deixa ambivalente não será alterado e que a minha opinião se irá manter. Por outro lado, não tinha outras ideias para o post de hoje, ah ah :P
Por um lado, gostei muito da forma de escrever da autora. A sério. É o primeiro livro dela, que tem a minha idade, e a verdade é que se eu escrevesse um livro, gostaria de o escrever daquela forma. Tenho o sonho, admito, de um dia escrever um livro (mesmo que ninguém o leia) e o estilo de escrita de Emma Cline é semelhante àquele que eu imprimo (ou tento imprimir. Ou gostaria de imprimir, vá. Ainda tenho que escrever muito e aprender muito para escrever assim) nos meus textos mais "romanceados".
Por outro lado, considerei bastante interessante a forma como ela retrata os sentimentos e as emoções vividas e experienciadas por uma adolescente de 14 anos. Existe muito a ideia de que uma pessoa com 14 anos é uma criança mas, muito honestamente, acho isso só paternalista e condescendente (e eu não gosto nada de paternalismos). Acho que é uma desvalorização brutal daquilo que é possível sentir-se nessa idade. O desconhecimento, as dúvidas, as questões sobre quem somos, o sentimento de incompreensão. A ideia de que ninguém nos compreende, de que não pertencemos a lado nenhum. E a autora retratou muito bem essas questões - talvez porque ela seja muito jovem (vamos acreditar que sim, que aos 27 anos ainda se é muito jovem, até porque eu não estou nada em pânico com o aproximar veloz dos 30. Nada) e passou por essa fase há relativamente pouco tempo - eu diria, pela minha experiência, que foi ontem.
E a compreensão da existência desses sentimentos é importante para que se perceba o porquê de uma jovem de 14 anos acabar por entrar num determinado mundo e acabar por tomar certas decisões. Porque é fácil, para quem está perdido, sentir-se deslumbrado por quem lhe indica um caminho muito mais interessante do que aquele que nos é apresentado.
No entanto, penso que talvez haja aspetos que poderiam ter sido mais desenvolvidos. As relações na comunidade, as histórias das personagens. São personagens que o leitor assume serem psicologicamente complexas mas, no entanto, esta "complexidade psicológica" não é assim tão desenvolvida. Eu sou uma rapariga que estudou Psicologia, gosto disto ;) Para além disso, julgo que a própria história poderia ter sido mais desenvolvida. Sem querer spoilar muito, há um período de tempo, anterior ao massacre e que leva a esse momento, que é pouco explorado. De repente, há uma mudança de sentimento e há um massacre - ok, mas e o que aconteceu no entretanto? Como é que se deu essa mudança de sentimento?
O livro desenvolve-se ao longo de dois momentos: o presente e o verão de 1969, sendo aqui que se desenrola a maior parte da narrativa. No entanto, a narrativa passada no presente também é interessante porque também aborda sentimentos que raparigas, jovens raparigas de 18 anos, experienciam. A forma como por vezes a nossa auto-estima, a nossa insegurança, mascarada de segurança, nos leva a fazer coisas parvas.
No fundo, o livro é também sobre isso - sobre raparigas. Sobre o facto de, não importa em que momento da História se viva, as raparigas serem seres complexos, cheios de dúvidas, de quem é esperado que sejam uma série de coisas, muitas delas incompatíveis, quando elas só se querem descobrir e serem elas próprias.
Penso que posso aconselhar o livro, embora julgue talvez tivesse gostado mais quando tinha 16/17 anos. Porque na altura seria menos exigente e porque talvez me identificasse mais.
Nota: e li o livro em papel, não no Kindle ;)