Não me lixem
Eu instalei, já há umas semanas, a infame aplicação do StayAwayCovid. Tenho espaço no meu telemóvel, não me faz confusão que "saibam onde eu estou" (porque se fizesse... enfim, acho que não fazia nem usava nada) e acho que a ideia, na teoria, é boa.
Mas, na prática, tem, claro, uma série de falhas. Porque baseia-se no pressuposto que toda a gente a instalaria, que toda a gente anda sempre com os dados/bluetooth ligado, que toda a gente anda sempre com o telemóvel, que toda a gente infectada colocaria lá o código... Enfim, baseia-se em vários pressupostos que se calhar não são exequíveis. Porque nem toda a gente a instala (seja porque não querem, seja porque não podem), porque nem toda a gente anda com os dados sempre ligados (os dados esgotam-se e depois custam dinheiro), porque nem toda a gente anda com o bluetooth sempre ligado (eu ando com ele sempre ligado desde que tenho o meu carro novo, porque antes não o fazia), nem toda a gente anda sempre com o telemóvel (os sábios), e nem toda a gente coloca lá o código (e quem pode culpar? Se ficar gravemente doente, desculpem, mas tenho mais em que pensar no que nisso).
Ainda assim, instalei a aplicação, é uma coisa simples, clean, e está ali no meio de tantas outras que sabem onde estou, o que estou a fazer, o que estou a pesquisar... E convivo bem com isso.
No entanto, não convivo muito bem com a possibilidade de ir muito bem na minha vida e um senhor agente de autoridade aproximar-se de mim (a menos de 2 metros de distância) e solicitar o meu telemóvel para ver se tenho a aplicação instalada. Não tenho nada a esconder, é um facto, e a minha vida é demasiado desinteressante para ter aplicações constrangedoras; no entanto, não quero passar essa linha de alguém "invadir" assim o meu espaço.
No final de Abril, numa altura em que não havia limitações à deslocação entre concelhos, fui mandada parar em Algés, quando ia a caminho da casa do meu namorado, pela polícia. Fiquei parva. Uns metros antes, no Caminho Marítimo, era ver pessoas aos magotes e ninguém fazia nada; ali, eu, no carro, sozinha (ainda sem Loki), fui mandada parar e perguntaram-me para onde é que eu ia e o que é que íamos fazer, para não andarmos em ajuntamentos, e que na semana seguinte (1º de Maio) não o podia fazer... Respondi-lhe que isso era na semana seguinte, não naquela semana, e portanto, tanto quanto sabia, podia ir para Lisboa. A minha cabeça magicou outras respostas, entre elas "vamos snifar coca e injectar heroína, mas está tudo bem, porque vamos fazê-lo sozinhos, isolados".
E este é o outro problema desta pandemia. Sim, o vírus é terrível e a doença pode trazer consequências muito complicadas. Mas caramba, a falta de bom senso é quase tão grave como o vírus. Não tem consequências físicas, mas terá outras.