Digo, frequentemente, que não ponho a mão no fogo por ninguém. Nem pelos meus pais, nem pelos meus irmãos, nem pelo meu namorado. Nem por mim. Há uns tempos, no trabalho, alguém dizia que tinha a certeza que jamais seria capaz de matar alguém. Ao que eu respondi que não podia dizer o mesmo sobre mim. Quanto mais não seja porque não sei se em defesa, não o poderia fazer. Eu sei, sou uma pessoa fria. Mas talvez realista. Porque existem situações, momentos, que nos transformam. E, por vezes, a vida simplesmente muda-nos.
Se há 2 anos me dissessem que o meu irmão se ia suicidar, eu diria, muito possivelmente, para essa pessoa ter juízo. E, no entanto, há 1 ano e 15 dias, o meu irmão enforcou-se na sua casa, na barra de fazer elevações e com uma corda.
Contudo, apesar disto, situações como esta surpreendem-me sempre. A provar-se que, de facto, foi a mulher que matou Luís Grilo, é mais uma situação típica em que, afinal, o inimigo estava na própria casa. E nestas situações eu pergunto-me sempre: será que havia alguma desconfiança de que algo estava a acontecer? Será que haveria indícios?
Como é que é possível viver tantos anos com uma pessoa e ser capaz de fazer uma coisa destas? E como é que é possível viver tantos anos com uma pessoa e não desconfiarmos que essa pessoa é, na verdade, uma assassina?
Na senda do post anterior, fui contactada por um "Executive Manager" de uma conhecida consultora de Recursos Humanos.
Já este primeiro contacto foi, na verdade, muito interessante. Porque a pessoa enviou-me um e-mail a perguntar se estaria interessada numa oferta de emprego... à qual eu me tinha candidato no dia anterior. Mas pronto.
E na segunda-feira, ele ligou-me. E fez-me imensa confusão a sua falta de preparação para a conversa que tivemos. Desde me perguntar se a empresa onde eu trabalho é uma Consultora de Recursos Humanos (que não é... E ele, sendo Executive Manager de uma Consultora, deveria ter um melhor conhecimento de mercado para saber que a minha empresa não tem nada a ver com isso), passando por me fazer questões e interromper-me ou, pior, não ouvir aquilo que eu estava a dizer (porque se tivesse ouvido não teria certas questões depois) e concluindo com um "eu enviei-lhe um e-mail mas não respondeu".
COMO NÃO?
Ele, de facto, enviou-me o tal e-mail, ao qual eu respondi a dizer, precisamente, que já me tinha candidatado à dita oferta. Ficámos por aqui e por isso é que ele se esqueceu? Não. De seguida, ele respondeu, dizendo que, então, me contactaria no início da semana (esta troca de e-mails foi na sexta-feira passada). E eu depois respondi a agradecer.
Pronto, e é isto. Eu sei. Ninguém é perfeito, as pessoas falham, bla bla bla. Mas eu, que até trabalho nesta área e não são Executive Manager - nem ganho como um -, não cometo este tipo de erros.
No outro dia conversava com os meus pais sobre o meu maior dilema interno - permanecer ou não no meu trabalho.
Eu gosto do meu trabalho. Gosto do que faço - apesar dos pesares e de querer fazer mais -, gosto da empresa - apesar das limitações -, gosto do ambiente, das iniciativas, gosto do meu chefe e gosto da maioria dos meus colegas e das pessoas com quem trabalho mais proximamente. Além disso, julgo que as pessoas gostam do meu trabalho e de mim. O que é fundamental.
No entanto, há o outro lado da moeda. O lado que me paga mal para aquilo que o mercado está, em teoria, a oferecer. O lado que me faz perder, à vontade, três horas em commuting. O lado que me faz acreditar que, independentemente da qualidade do meu trabalho, não terei grande possibilidade de evoluir.
E tudo isto aborrece-me. Porque ando cansada de andar para trás e para a frente e de parecer que metade da minha vida é perdida em transportes. Porque quando olho para o futuro, não gosto de me imaginar, daqui a 1 ano, a fazer praticamente o mesmo que estou a fazer hoje - que é praticamente o mesmo que fazia há 1 ano.
Eu quero mais. Eu preciso de mais. Preciso de uma função e de tarefas que me desafiem. E sim, preciso de perder menos tempo da minha vida em commuting.
Mas admito que o facto de gostar da minha empresa, do ambiente, do meu chefe e dos meus colegas me faz querer lá ficar. Me faz querer estar mais tempo com aquelas pessoas, trabalhar mais com elas e desenvolver mais iniciativas para elas e com elas.
Enfim, obviamente que uma possível mudança de trabalho não dependerá só de mim; no entanto, a qualidade da procura de emprego sim, depende. E essa está condicionada por este dilema interno:
O objectivo é durante os dois próximos fins-de-semana começar a levar as minhas coisas (roupas de outra estação, livros e tralhas várias), ir de Férias para a Indonésia (yeiiiiiiii!!!!), regressar, ficar ainda uma semana em casa dos meus pais e no dia 3 de Novembro, depois de o técnico da NOS ir lá instalar o pacote TV+NET+VOZ, poder ficar lá já a dormir :)
Estou em modo excitex. A casa está muito gira e, modéstia à parte, super bem decorada.
Depois, a minha vida é capaz de normalizar um bocadinho. Os meus últimos fins-de-semana têm sido passados entre mudanças, compras, limpezas e alguma espécie de vida social.
E cansaço, muito cansaço. Cansaço do mau, como já tenho escrito também por aqui, mas também cansaço do bom. Vou tentar focar-me neste último.
Tal como esperava no ano passado, este ano voltei a ir à Corrida do Tejo. Desta vez, contudo, tive uma experiência nova, porque fui em equipa, com a minha empresa.
Nessa parte, foi espectacular. A ideia de lançar o desafio aos colaboradores surgiu no âmbito do nosso projeto de Saúde e Bem-Estar e apesar de não termos tido uma adesão espectacular (em cerca de 100 pessoas, foram 13), quem foi adorou. É caso para dizer "poucos mas bons".
E não deixo de ficar extremamente orgulhosa e feliz por perceber que aquelas pessoas, que normalmente não correm e, tanto quanto sei, nem sequer são grandes adeptas de actividade física, gostaram tanto da experiência que já dizem que para o ano querem repetir e ir novamente com a empresa. Sinto-me vencedora não só pela adesão das pessoas à corrida como, também, à empresa. Temos muitos defeitos, existem alturas em que tenho MUITA vontade de mudar, mas gosto de lá trabalhar e fico feliz por contrbuir para o bem-estar das nossas pessoas :)
Mas então e a corrida? Bom, em relação à corrida, ao percurso, à organização, não há muito a falar nem a apontar. O percurso é o mesmo, a organização está oleada e não há grandes confusões e a verdade é que a Corrida do Tejo tem tudo para ser uma das principais e mais interessantes corridas de 10 km.
No entanto, o grande problema do ano passado piorou este ano. Falo, claro está, do tempo e do calor. Obviamente que ninguém consegue prever nem adivinhar, com todos estes meses de antecedência, se no final de Setembro vai estar calor ou não. No entanto, a História tem-nos dito que sim, que nesta altura ainda existe alguma probabilidade de termos temperaturas algo elevadas. Por isso, não se percebe como se continua a marcar esta corrida para as 10 da manhã. É uma boa hora se estivermos a falar no período de tempo que vai de Novembro a Março (e mesmo assim...). Mas não nesta altura do ano, de certeza.
Por isso, amiguinhos da organização, se calhar para o ano mudamos a hora disto, boa?
E nem falo do meu regresso... Se não fui de férias a sério, como é que posso regressar?
Falo, claro, do regresso dos outros.
Nesta semana, percebi que estes meses de Verão foram, afinal, calmos. Apesar da confusão dos transportes públicos, esta confusão não era assim tão grande quando comparada com o que se assiste agora. Sendo que, por outro lado, os turistas continuam a fazer parte da equação.
E por isso, o regresso destas pessoas custa-me muito. E eu só estou em contagem decrescente para as minhas férias.
Aliás, chamar a esta semana de "semaninha" é uma brincadeira de mau gosto.
Foi, provavelmente, das semanas mais paradoxais da minha vida.
Vivi a semana com o peso do primeiro aniversário da morte do meu irmão e a pensar constantemente "foi há um ano que nos falámos pela última vez" ou "foi há 1 ano que a minha mãe me ligou a dizer que uma tragédia tinha acontecido" ou "há 1 ano estava a chegar a Bratislava para ir buscar a minha irmã"... Ainda não acabou. Hoje faz 1 ano que foi o velório do meu irmão e amanhã faz 1 ano que foi o "funeral" (ou a missa de cremação, não sei bem).
1 ano, 1 ano, 1 ano.
Ao mesmo tempo, foi a semana em que a minha casa começou a ser montada. Depois de um fim-de-semana a montar a mobília do quarto, esta semana chegou a mobília da sala (a que eu mais queria ver), o colchão e os electrodomésticos.
E de repente, estou a viver um momento extremamente feliz - a concretização do objectivo de ir morar sozinha - com o peso da altura mais triste da minha vida - a morte do meu irmão. Que não, ainda não está ultrapassada.
A morte de qualquer pessoa que nos é querida é lixada mas a morte de um irmão é fodida. É fodida porque não temos que lidar só com a nossa dor, com as nossas saudades, mas, também, com a dor dos nossos pais. E às vezes é muito difícil lidar com isso. Muito.
Mas ao mesmo tempo, estou feliz.
E ainda ao mesmo tempo, estou ansiosa em relação ao futuro. Quero muito que o futuro chegue, mas tenho medo quanto ao que o futuro me reserva. E tenho dúvidas. Muitas dúvidas.
Estou só exausta. A precisar urgentemente das minhas férias.
Há um ano percebi que o Luto, para além de um processo, é um verbo. Porque lutamos, todos os dias, para continuar.
Há um ano, a vida que conheci durante 28 anos acabou. Desengane-se quem pensa que a morte só leva a vida de quem morre - na verdade, a morte leva a vida como foi conhecida de quem cá fica. Como não? De repente, tudo aquilo que conhecemos é transformado; de repente, pontos de referências, certezas para a vida e projectos futuros são eliminados para sempre.
Há um ano, a minha vida, como a conheci durante 28 anos, terminou. Há um ano, iniciei uma nova vida, num mundo que mais parecia, muitas vezes, uma realidade alternativa, um universo paralelo. E sendo um universo paralelo, dei por mim a fazer coisas incompatíveis comigo, com aquilo que sou. Dei por mim a falar com um Deus em que não acredito e a negociar com Ele para que tudo isto fosse um sonho mau. Dei por mim a acreditar que a morte não é o fim da Linha e que estás em algum lugar a olhar por nós e a assistir às coisas boas. Dei por mim a imaginar o que estarias a pensar e a fazer se, efetivamente, a morte não fosse o fim da Linha. Dei por mim a falar com uma pessoa que já cá não está, a zangar-me contigo e a fazer as pazes contigo, num loop vertiginoso. Dei por mim a imaginar que estavas comigo em determinados momentos e a pensar no que me dirias. A pensar que me incentivarias, me darias os parabéns ou gozarias comigo. A pensar que me pedirias desculpa. No entanto, por mais que tenha acordado dias e dias seguidos a pensar “isto não aconteceu”, a realidade tratava-se de me mostrar que sim, que tinha acontecido. Que tu nunca mais ias estar por aqui a gozar comigo ou a incentivar-me a fazer mais e melhor e a acreditar mais em mim do que eu.
A realidade foi - é - lixada. Porque aconteceu. Porque morreste, suicidaste-te e nós ficámos por aqui, a apanhar os cacos. A vida tem seguido, tem rolado, com coisas boas a acontecer. Mas a tua falta é sentida em todos os momentos.
Foi há 1 ano, no dia 10 de Setembro, que nos vimos pela última vez.
Era um jantar de despedida, de facto, mas não da tua despedida. E não uma despedida triste e definitiva.
Era um jantar alegre, porque a bebé ia realizar o seu sonho de fazer Erasmus. Fomos ao restaurante de sempre (como não?) e estivemos todos bem. Estavas, aparentemente, bem.
Jantámos, conversámos, rimos. Engraçado como me lembro de tanta coisa, como me lembro da data, mas não me lembro do teor das nossas conversas. Porque era um jantar normalíssimo, mais um entre tantos, dos que tinham já acontecido e dos que ainda estavam por vir. Se soubesse, se soubesse, teria gravado todo esse jantar na minha memória, as tuas palavras, os teus risos e sorrisos, só para fazer rewind e ver e rever tudo novamente. Só mais uma vez. E outra. E outra.
Mas não sabia. Ninguém sabia. E despedimo-nos, tendo a certeza que iríamos todos passar a semana no Whatsapp a conversar com a Mariana, que nos iria mostrar todas as novidades. E despedimo-nos a pensar que no Domingo seguinte nos encontraríamos novamente, onde íriamos almoçar na nossa cozinha, onde tu ocuparias o teu lugar de sempre e falaríamos sobre a Mariana, sobre Bratislava, sobre o teu regresso ao trabalho, sobre os eventos da minha empresa.
Mas nada disto aconteceu. Porque o jantar de despedida, que era suposto ser uma despedida provisória e feliz - porque era para a Mariana que ia para Bratislava e iria regressar apenas em Dezembro -, foi, afinal, uma despedida definitiva e triste. E foi a última vez que te vimos vivo. E o que eu não dava para te ter abraçado e te ter dito "Gosto tanto de ti, Manel" - mas, for God's sake, não nos abraçávamos desde os 10 anos, porque nos tornámos ambos adolescentes parvos.
E não almocámos no Domingo. Não falámos sobre a Mariana e sobre Bratislava, até porque ela regressou 3 dias depois. Não falámos sobre o teu regresso ao trabalho, porque apenas ficaste lá mais 1 dia. Não falámos sobre os eventos da minha empresa porque, entretanto, tive que faltar.
Às vezes (who I am kidding... Sempre) gostava que tudo isto tivesse sido um filme. Um daqueles filmes parvos que se desenrolam com as suas tragédias mas que, a dada altura, se percebe que foi tudo um sonho ou tudo um grande "E se". E que o ponto de mudança tivesse sido aquele jantar, onde nós pudéssemos ter dito ou feito algo que te tivesse feito mudar de ideias.
Foi há 1 ano que te vimos pela última vez, Manel, e as saudades só aumentam.
Se pedir muito, muito, muito, podemos fazer disto um filme ou um sonho mau?