2017... 2018
Estamos no final do ano e é altura de, teoricamente, se fazerem balanços. Contudo, fazer um balanço deste ano magoa, dói, corrói. Mata por dentro, destrói. Porque 2017 foi o ano em que o meu irmão mais velho morreu. 2017 foi o ano em que o meu irmão foi vencido pela cabra da depressão.
O meu irmão foi o meu primeiro amigo, o meu primeiro par. Foi com o meu irmão que tive que aprender a partilhar e a brincar. Foi graças ao meu irmão que me tornei nesta maria-rapaz que gostava mais de jogar à bola do que brincar com barbies. Foi com o meu irmão que aprendi a gostar de fazer desporto. Com o meu irmão tive enormes discussões durante a adolescência, mas éramos agora dois adultos que se compreendiam. Chocávamos muitas vezes, mas entendíamo-nos outras tantas, com um sentido de humor twisted, gostos e interesses partilhados, desabafos percebidos.
O meu irmão foi - é - ídolo para muita gente. Melhor amigo para muitos, dirigente associativo dedicado, advogado de exceção, sonhador que fazia acontecer. O meu irmão foi - é, sempre será - um exemplo. Quantas vezes não quis ser como ele? Ter a capacidade de trabalho dele, ter a capacidade de cativar que ele tinha, de me exprimir, de fazer valer a minha opinião, de me dedicar fosse ao que fosse? Admito: crescer com o meu irmão nem sempre foi fácil. Mas aprendi a lidar com isso e a tirar daí o melhor partido e o meu irmão foi - é - um exemplo a seguir, um modelo.
Mas este texto não é (só) sobre o meu irmão (que, aliás, estaria a gozar comigo se me estivesse a ler). Este texto é sobre todos nós. Todos nós que pensamos que tudo aguentamos. Todos nós que queremos chegar a todo o lado, esquecendo-nos, frequentemente, de chegar a nós próprios. Todos nós que acumulamos emoções sem as extravasar. Que lutamos por aquilo que pensamos que queremos, mas que, afinal, não é isso que nos faz felizes. Todos nós que nem sempre sabemos exatamente aquilo que nos fará felizes e que, quando sabemos, não sabemos como lá chegar. Todos nós que só nos sentimos terrivelmente sós. Todos nós que não conseguimos fazer as pazes com o passado. Todos nós que não vemos a luz ao fundo do túnel.
Este texto é sobre as centenas de pessoas que cometem suicídio em Portugal todos os anos. Sobre os 20 milhões de embalagens de psicofármacos vendidas em Portugal em 2016* sem acompanhamento adequado. É sobre os 603 psicólogos no SNS, com um rácio de aproximadamente 1 psicólogo para cada 16.500 pessoas* – o que não é nada. É sobre os milhares de psicólogos no desemprego. É sobre todos nós, que pagamos impostos estupidamente elevados e que vemos negado o acesso à saúde mental porque não temos dinheiro para pagar as consultas de Psicologia no privado raramente (ou nunca) comparticipadas pelos seguros de saúde.
Por isso, para 2018, para além de todos os desejos habituais, desejo que se perceba de uma vez por todas que é importante uma negociação séria e real para um aumento significativo (e não de meia dúzia) de psicólogos no SNS. Desejo que se fale a sério sobre saúde mental no nosso país. Desejo que se valorize a depressão e que se deixe de pensar que é “coisa” de quem não sabe o que são problemas a sério ou não tem nada que fazer. Desejo que todos nós estejamos atentos aos sinais – aos nossos sinais e aos sinais dos outros.
Desejo que comecemos a perceber que não, não somos os super-homens nem as super-mulheres. Que podemos errar, que podemos sofrer e ser menos fortes do que aquilo que desejaríamos, mas que conseguimos dar a volta por cima. Desejo que compreendamos que podemos pedir ajuda e que a consigamos receber. Desejo que comecemos a estar mais atentos e a não desvalorizar aquilo que vemos e que sentimos. Que sejamos chatos, que insistamos mais se acharmos que algo não está bem com determinada pessoa. Desejo que consigamos ser mais altruístas, mas, se necessário, que consigamos equilibrar esse altruísmo com algum egoísmo para conseguirmos pensar também em nós quando necessário. Desejo que consigamos ver uma luz ao fundo do túnel, por mais ténue que seja. Desejo que consigamos encontrar o Norte se o perdemos, se nos perdermos.
Desejo, sobretudo, que 2018 seja francamente melhor que 2017.
*Fonte: Ordem dos Psicólogos Portugueses